Um sorriso que chora
Maria Avelina Fuhro Gastal
Há
muito se perderam nas palavras. Do encontro entre o dito e o escutado restam
cicatrizes e feridas abertas.
Aos
poucos, as vozes deram vez ao silêncio. Na tentativa de não ferir, nem ser
ferido, calaram seus temores e, junto com eles, o amor perdeu sua vez.
No
vazio produzido pelo não-dito, a intimidade foi sufocada. Hoje tateiam-se como
dois estranhos.
Ela
manuseia as roupas como se fosse um ritual. Coloca em cada dobra o seu
ressentimento e amargura. Na perfeição da peça, a tentativa de reorganizar-se.
Não tem urgência, mas está determinada. Quer deixar ali toda a dor e levar só a
coragem para recomeçar.
Não
está sendo impulsiva. Apenas sente-se vencida pelo cansaço e pela desesperança.
Quer manter entre eles um pouco do afeto que os uniu.
O
dia se desfez nas dobraduras e a noite já espia por entre as frestas.
Pensou
em deixar um bilhete. Não achou digno. Apesar de tudo, eles merecem mais. Quer
um último ato respeitoso e definitivo.
A
fraca luz do abajur ilumina o ambiente com a suavidade que o momento requer.
Ela se deixa abandonar na poltrona, atenta aos sons que vêm da rua.
O
estalar do elevador e o tilintar das chaves a impulsionam. De um salto,
levanta-se, alisando a saia, a blusa e os cabelos. Qualquer desalinho seu será
imperdoável. Não pode enfraquecer, nem perder-se agora.
Ao
mesmo tempo em que ele abre a porta e entra, ela pega a mala e se dirige para a
saída. Seus olhos se cruzam. Os dele se voltam para a mão dela e retornam, em
tom de dúvida (ou será de desespero?) para o seu rosto.
Com
um sorriso que chora, ela toca suavemente o rosto dele e sai. Ele se vira a
tempo de buscar a mão dela. Segura-a com um afeto há muito adormecido. Ela
solta a mala, envolve aquela mão que tantas vezes a fez estremecer ao toque,
roça os lábios levemente no seu dorso e a solta. Pega a mala, entra no elevador
e parte.
Obrigada, José.
ResponderExcluirLindo!
ResponderExcluirObrigado, Dila. A moça é fera.
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