Prezada amiga e
colega
Algum tempo atrás, estavas decepcionada
com a profissão. Pensaste em largar tudo e fazer concurso para o Banco do
Brasil. É uma alternativa válida. Podes tentar concurso para outras áreas.
Passei 37 anos lutando para fazer
arquitetura. É uma luta diária, na maior parte das vezes, inglória. Coloca em
jogo tua saúde financeira (e da família também) e também tua saúde mental.
Quando me formei, em 1972, estávamos no
“Brasil Grande”. A ditadura militar massacrava quem se opunha a ela, mas a
economia, graças a empréstimos generosos, oriundos dos petrodólares, fazia o
país crescer, ao que chamamos hoje, de níveis chineses.
Meu sonho, grandioso como de um bom
leonino, era montar uma empresa de consultoria, se possível, multinacional.
Pedi demissão de meu tranquilo emprego no Banco do Brasil, fiz engenharia de
segurança e comecei a me preparar para fazer administração de empresas.
Naquela época, havia tanto serviço que
meu limite de produção era o meu tempo. Tinha um belo escritório na esquina da
Felipe Camarão com a Oswaldo Aranha, com vista para a redenção. Contratei um
arquiteto e mantinha secretária em tempo integral.
Fazia desenvolvimento de projetos para
o Banco do Brasil, residências para ex-colegas, quando obtinham financiamento
imobiliário, perícias, avaliações e vistorias para o SFH. O sonho estava se
realizando.
Em 1983 faliu o BNH e, logo depois, o
Brasil quebrou. Como deves saber, os empréstimos dos governos militares foram
contratados com juros variáveis que, com o fim da farra dos petrodólares, foram
às alturas. Isso, junto com a má administração de recursos e a anarquia que havia
se instalado, levou o país para o buraco (como a imprensa era amordaçada,
fiquei sabendo disso depois).
Minha consultoria foi para as cucuias.
Na época, era um pobre ingênuo. Não sabia que consultoria, no Brasil, é
sinônimo de lavagem de dinheiro.
Bom, em síntese é a história de um
arquiteto no Brasil. Certamente muito parecida com a tua e de quase todos os
outros arquitetos.
De
vez em quando, me arrependo de ter pedido demissão do Banco do Brasil. Mas é só
de vez em quando.
De
maneira geral, a vida é só uma e passa muito rápida. Se não tivesse tido
coragem e me aventurado, não teria essa história para te contar. Esse já é um
bom motivo para ter feito o que fiz.
Vamos
ao que interessa. Estudamos e estamos aqui para ganhar dinheiro. Se tivéssemos outros
interesses, teríamos seguido a carreira eclesiástica ou seriamos monges na
Índia.
Nascemos
e vivemos neste país, que é o país do jeitinho. Hoje, praticamente, toda a
família tem um arquiteto (a). No tempo do Brasil Grande, as faculdades se
disseminaram e ninguém pensou em fechá-las quando veio a crise. Como somos um
país de ignorantes e tolos, quando alguém necessita de um profissional
arquiteto, procura um familiar, não para valorizá-lo, mas porque tem a
expectativa de conseguir um trabalho de graça ou quase de graça (já tive propostas
de troca de projeto por churrascos). Às vezes, alguém chega para nós e diz: "preciso que me dês uma ideia". Ideia não se dá, se vende.
Nossos
representantes em conselhos e sindicatos, via de regra, funcionários públicos
ou professores de faculdades, se reúnem para medir beleza e dessorar sobre
filosofia da arquitetura. Isso não enche barriga de ninguém. Vai ver se os
médicos tratam a prática de medicina com discursos de boas intenções.
Minha
sugestão é de que façamos como na Espanha. Lá, quando alguém precisa de um
trabalho de arquiteto, vai ao sindicato deles. Recebe uma lista de profissionais
aptos para fazer o serviço. Escolhe um e contrata, vê bem, pelo sindicato. Não
tem o choro, tipo, “ora, somos amigos”. Feito o negócio, o profissional recebe pela
tabela. Assim, dá para trabalhar.
Como
disse, o Brasil é o país do jeitinho. Nós, arquitetos, levamos mais de 30 anos
para termos nosso Conselho. Antes, pertencíamos à geleia geral do Confea e dos
seus Creas. Agora, com o Cau, podemos fazer isso.
É
só querer.