terça-feira, 25 de março de 2014




O HOMEM DO PLANETA X

         Estávamos em 1952. Eu já tinha nove anos. Foi nesse ano que passou, no Cine Glória, o filme “O Homem do Planeta X”. Fissurado por ficção científica, me programei para ir ao cinema. Foi um choque quando disseram ser o filme proibido até 14 anos. Logo eu, que já sabia tudo sobre a vida.

         Planejei meticulosamente romper a censura etária. Levava uma vantagem inicial. Meu pai era médico de seu Ivoni (y?) e de toda sua família. E seu Ivoni era o gerente do Cine Glória. Meu pai não cobrava do seu Ivoni e nós não pagávamos cinema.

         O problema era que seu Ivoni era duro na queda. Ficava na portaria, de fiscal do porteiro, e não deixava passar nenhum menor. Mais tarde, quando passou “Rock Around the Clock”, com Bill Halley, seu Ivoni ameaçou a todos na plateia: se fizessem baderna, ele interromperia o filme. “Rock Around the Clock” foi assistido em silêncio, provavelmente caso único no Brasil e no mundo.

         Contratei um intermediário para saber se teria chance. Seu Ivoni respondeu na hora. Não teria.

         Assim, não vi “O Homem do Planeta X”. Mais tarde, apareceu no bazar de seu Kaiser (a casa de esquina no meio da quadra), uma versão quadrinizada do “Homem do Planeta X”. Comprei, mas não foi a mesma coisa, não havia a emoção do escurinho do cinema.

         Guardei por sessenta e um anos esse trauma. Talvez, se tivesse trazido o assunto para meu tratamento, os anos de análise tivessem se reduzido consideravelmente.

         Agora, em plena era de Internet, me lembrei deste episódio marcante da minha infância. Procurei o “Homem do Planeta X”. Não, é que ele estava lá, me esperando? Aguardo, com o coração na mão, que ele baixe.

         Para quem quiser ser solidário. O filme está no seguinte endereço: 


As legendas estão em:


         Só para concluir. Não perdi o “Monstro da Lagoa Negra” nem “O Planeta Proibido”. Eles eram censura livre.



quinta-feira, 20 de março de 2014



NINFOMANÍACA

         Quase 40 anos atrás, jovem analista, cuidei de um hipocondríaco delirante. Ao longo do tratamento, eu sentia uma certa admiração pela coragem de meu paciente. Sem parar, sem recuar, sem hesitar diante de inúmeros incômodos, ele procurava algo que acreditava estar no âmago de seu próprio corpo; se ele encontrasse esse “algo”, a verdade de seu ser seria então revelada – a ele mesmo, a mim e ao mundo.

         Por sorte (dele e minha) ele se entregava menos a operações invasivas do que endoscopias e radiografias; dizia que procurava uma mancha, que os médicos não viam, mas que “estava lá”.

         Essas investigações pareciam ser apenas mais um momento numa longa história; nossa cultura sempre tentou encontrar, nos corpos, o lugar onde se esconderia a alma – com pesquisas anatômicas ou inventando disciplinas e práticas que querem dobrar o corpo e obrigá-lo a cuspir nossa verdade.

         A privação dos ascéticos, que mortificam os sentidos; o isolamento dos anacoretas, que fogem de qualquer comércio social; a imobilidade dos estilitas, que passavam a vida no alto de uma coluna; a penitência dos que guardam jejum; a dor dos que se açoitam impiedosamente: são esforços para levar o corpo a mostrar a alma.

         É como se existisse, em nossa cultura, uma raiva contra o corpo pelo tanto que ele mentiria, que ele nos afastaria de nossa verdade.

         De saco para mala: o primeiro roqueiro a destruir sua guitarra foi Pete Townshend, do The Who. A coisa virou moda. Mas destruíam seu instrumento por convicção (e não só para tirar uma foto) destruíam por quê? Talvez a destruição fosse o jeito de forçar o instrumento a tocar a música que eles imaginavam, que eles queriam, mas que estava além dos limites deles e de sua guitarra.

         Pois bem, alguns humanos se relacionam com seu corpo como o roqueiro com a guitarra que ele destrói: eles estão dispostos a submeter seu corpo a qualquer prova que toque a música esperada.

         Pensei nessas procuras espirituais e musicais quando assisti “Ninfomaníaca – Volume 1”, de Lars Von Trier. Esperava que o “Volume 2” me desapontasse. Não tenho simpatia por Von Trier; não gostei de Dogville (sobretudo por causa das provocações inúteis às quais o diretor recorreu no lançamento), e me desgostaram as besteiras que Von Trier falou sobre Hitler, no último festival de Cannes. Mas confesso: amei “Melancolia”, e “Ninfomania 1 e 2” é um dos filmes mais tocantes e notáveis que eu vi na última década – além de ser uma apresentação terrivelmente fidedigna de uma experiência do sexo, que pode parecer extrema, mas não é rara. Alguns pontos (sem spoilers):

    1)    Joe, a protagonista, se define como ninfomaníaca. É um jeito de não se esconder atrás de uma patologia ou de um vício, por exemplo. Concordo com ela, mas cuidado, a hipocrisia social vai longe e “ninfomania” tampouco é uma categoria inocente. É útil ler o excelente livro de Carol Groneman, “Ninfomania” (Imago).

    2)    Se o sexo for apenas uma procura de prazeres, ele não será mais relevante que a escolha de um bom vinho ou de uma fruta madura. A dimensão trágica e espiritual do sexo aparece quando ele nos domina como um imperativo incansável que exige sacrifício e risco. O psicanalista Jacques Lacan dizia que o superego é uma ordem irresistível que nos manda gozar. Se, por qualquer razão, você estiver interessado em entender o que ele queria dizer com isso, não perca “Ninfomaníaca”.

   3)    Num momento do filme, Joe perde e quer reencontrar sua capacidade de ter orgasmos, mas cuidado: o gozo que o sexo exige de nós (e dela) não se confunde com o orgasmo. Ao contrário, para alguns (como o filme também mostra), o orgasmo estragaria o gozo.

   4)    Os grandes libertinos dos séculos 17 e 18 não procuravam prazeres (nem orgasmos - que eles estavam sempre postergando). A protagonista de Von Trier, como uma heroína de Sade, tampouco procura o prazer. Até a masturbação, para ela, é quase penosa – mais parecida com um exercício espiritual do que com uma brincadeira aprazível.

   5)    O tema de “Ninfomaníaca” é soturno, mas o diálogo entre os dois (extraordinários) atores do filme respira uma inteligência rara e especialmente bem-vinda nestes dias, em que a maioria prefere fugir do sexo pela zombaria ou pelo esculacho.

    6)    Só para concluir: sexo não é diversão. É para gente grande. 


 Fonte: Contardo Calligares, psicanalista; Folha da Tarde. Escreve`às quintas 




quarta-feira, 19 de março de 2014




criatividade


A criatividade se manifesta de forma misteriosa e muitas vezes paradoxal. O pensamento criativo é uma característica estável e marcante em muitas personalidades, mas ela também pode mudar de acordo com a situação e contexto. Muitas vezes a inspiração e ideias parecem surgir do nada e depois desaparecem quando mais precisamos delas - e o pensamento criativo exige uma cognição complexa, porém totalmente distinta do processo utilizado para o pensamento.

A neurociência pinta um quadro complicado da criatividade. Atualmente, os cientistas entendem a criatividade como algo bem mais complexo do que a divisão do cérebro em hemisférios direito e esquerdo nos leva a pensar (a teoria de que o lado esquerdo do cérebro = pensamento racional e analítico e o lado direito = pensamento criativo e emocional). Na realidade, acredita-se que a criatividade engloba vários processos cognitivos, caminhos neurais e emoções e mesmo assim não temos toda a dimensão de como a mente imaginativa funciona.

E, psicologicamente falando, pessoas com personalidade criativa são difíceis de definir, especialmente por serem complexas, paradoxais e geralmente evitarem hábitos ou rotinas. E esse não é apenas um estereótipo do “artista torturado” – os artistas podem de fato serem pessoas mais complicadas. Pesquisas sugerem que a criatividade é fruto da combinação de várias características, comportamentos e influências sociais em uma única pessoa.

"O autoconhecimento é de fato difícil para pessoas criativas, pois o ser criativo é mais complexo do que o não criativo”, afirmou Scott Barry Kaufman, psicólogo da New York University que passou vários anos pesquisando a criatividade, em entrevista ao The Huffington Post. "As coisas que mais se destacam nas pesquisas são os paradoxos do ser criativo… Pessoas com imaginação aguçada tem mentes mais ‘bagunçadas’ ”.

Ainda que não exista uma personalidade criativa “padrão”, existem algumas características e comportamentos comuns às pessoas altamente criativas. Veja aqui 18 coisas que elas fazem diferente.

Elas sonham acordadas.


Pessoas criativas sabem que sonhar acordado não é perda de tempo, apesar do que os seus professores tenham lhes dito quando eram crianças.
De acordo com Kaufman e com a psicóloga Rebecca L. McMillan, que é co-autora de um artigo intitulado "Ode Ao Sonhar Acordado", essas viagens da mente podem auxiliar no processo da “incubação criativa”. E claro, muitos já tiveram a experiência de ter uma ideia genial surgir aparentemente do nada, justo quando nossa mente está divagando.
Apesar do sonhar acordado parecer não exigir nenhuma atividade cerebral, umestudo de 2012 sugere que o cérebro pode na verdade estar altamente engajado nessas ‘viagens’ – elas podem repentinamente resultar em conexões e conclusões pois estão ligadas à nossa habilidade de recordarmos informações mesmo frente às distrações. Os neurocientistas também descobriram que sonhar acordado ativa os mesmos processos cerebrais associados à imaginação e à criatividade.

Elas observam tudo.

O mundo é a ostra da pessoa criativa – elas veem possibilidades por toda parte e estão constantemente absorvendo informações que alimentam a expressão criativa. Como disse o escritor Henry James em sua famosa citação, um escritor é alguém para quem “nada se perde”.
A escritora Joan Didion carregava sempre um caderno e disse que fazia anotações sobre pessoas e eventos, como uma forma de melhor entender as complexidades e contradições da sua própria mente:
"Não importa o quão zelosos somos em registrar o que vemos ao nosso redor, o denominador comum de tudo que vemos é sempre, de forma transparente e sem vergonha, o implacável “Eu”, Didion escreveu no ensaio On Keeping A Notebook. "Estamos falando de algo privado, fragmentos da mente curtos demais para serem usados, uma montagem indiscriminada e aleatória que fazem sentido apenas para quem as anota”.

Elas trabalham no horário que é melhor para elas.


Muitos artistas renomados afirmam que trabalham melhor ou bem cedo de manhã ou muito tarde à noite. Vladimir Nabokov começava a escrever assim que acordava, as 6 ou 7 da manhã e Frank Lloyd Wright costumava acordar às 3 ou 4 da manhã, trabalhar durante várias horas e depois voltava a dormir. Não importa o horário, pessoas com grande produção criativa geralmente descobrem quando as suas mentes funcionam melhor e planejam seus dias de acordo com isso.

Elas separam um tempo para a solitude.

"Para estar aberto à criatividade, a pessoa tem que ter a capacidade de usar a solitude de maneira construtiva. É necessário superar o medo de estar sozinho”, escreveu o psicólogo existencial americano Rollo May.
Artistas e criativos muitas vezes são taxados de solitários e apesar disso não ser verdade, a solitude pode ser o que lhes permite produzir o melhor trabalho. Para Kaufman, isso está relacionado novamente ao sonhar acordado – nós precisamos passar tempo sozinhos para simplesmente permitir que as nossas mentes possam viajar.
"Você precisa estar atento àquele monólogo interior para que possamos expressá-lo”, ele afirma. “É difícil encontrar aquela voz interior criativa se você…não está em contato com o seu eu interior e refletindo sobre si mesmo”.
Elas conseguem transformar os obstáculos em algo bom.

Muitas das histórias e músicas mais icônicas de todos os tempos foram inspiradas por dor e desilusões – e o lado bom desses desafios é que elas podem servir como um catalisador para a criação de ótimo arte. Um campo emergente da psicologia chamado de crescimento pós-traumático vem sugerindo que muitas pessoas conseguem usar as dificuldades da vida e os traumas da infância e juventude para o crescimento criativo. Especificamente, pesquisadores descobriram que traumas podem ajudar as pessoas a crescerem nas áreas de relacionamentos interpessoais, espiritualidade, apreciação pela vida, força pessoal e – o que é mais importante para a criatividade – a vislumbrar novas possibilidades na vida.
"Muitas pessoas conseguem usar isso como o combustível que precisam para encarar a realidade de uma outra forma”, diz Kaufman. "O que aconteceu é que a visão que elas tinham do mundo como um lugar seguro ou como um certo tipo de lugar foi destruída em algum momento de suas vidas, levando-as a olhar a vida de fora e enxergar as coisas de maneira nova e diferente, e isso é muito propício para a criatividade”.
Elas buscam novas experiências.

Pessoas criativas gostam de se expor a novas experiências, sensações e estados de espírito – e essa abertura prevê o resultado criativo de forma significativa.
"A abertura a novas experiências é o mais forte e confiável indicador da realização criativa”, afirma Kaufman. "Isso inclui muitas facetas diferentes, mas elas estão todas relacionadas: a curiosidade intelectual, busca por emoção, abertura aos sentimentos, abertura à fantasia. A coisa que une todas elas é um desejo pela exploração cognitiva e comportamental do mundo, tanto o seu mundo interior quanto o seu mundo exterior”.

Elas aprendem com os erros.



A resiliência é praticamente um pré-requisito para o sucesso criativo, diz Kaufman. O trabalho criativo é muitas vezes descrito como um processo em que se falha repetidamente até que encontre algo que dá certo e pessoas criativas – pelo menos as bem-sucedidas – aprendem a não encarar os erros de forma tão pessoal.
"Pessoas criativas falham e aquelas que são muito boas falham com frequência”, escreveu o colunista da revista Forbes Steven Kotler em um artigo sobre a genialidade criativa de Einstein.

Elas fazem as perguntas mais complexas.

As pessoas criativas possuem uma curiosidade insaciável – geralmente escolhem examinar profundamente a vida – e à medida em que vão envelhecendo, não deixam de ter curiosidade sobre a vida. Seja através de conversas intensas ou de reflexões solitárias, pessoas criativas olham para o mundo ao seu redor e querem saber por quê e como as coisas são do jeito que são.

Elas observam as pessoas.

Devido à natureza observadora e à curiosidade sobre as vidas dos outros, pessoas criativas muitas vezes amam observar as pessoas – e talvez até gerem suas ideias a partir dessas observações.
"[Marcel] Proust passou praticamente toda a sua vida observando as pessoas e ele anotava essas observações, que acabavam saindo em seus livros”, diz Kaufman. "Para muitos escritores, observar pessoas é muito importante… Elas são observadoras perspicazes da natureza humana”.
Elas arriscam.

Arriscar faz parte do trabalho criativo e muitas pessoas criativas são motivadas pelos riscos que tomam em vários aspectos de suas vidas.
“Há uma conexão profunda e significante entre arriscar e ser criativo e essa conexão muitas vezes é menosprezada”, escreveu Steven Kotler na Forbes. "A criatividade é o ato de criar algo a partir do nada. Ela requer expor publicamente aquelas apostas que fazemos primeiro em nossa imaginação. Essa não é uma tarefa para os tímidos. O tempo desperdiçado, a reputação abalada, o dinheiro investido de forma errada – todos esses fatores são consequências da criatividade mal-sucedida”.

Elas encaram a vida toda como oportunidade de auto-expressão.

Nietzsche acreditava que a vida e o mundo devem ser encarados como uma obra de arte. Pessoas criativas podem estar mais propensas a ver o mundo dessa forma e a constantemente buscar oportunidades de auto-expressão no dia a dia.
"A expressão criativa é uma auto-expressão”, diz Kaufman. "A criatividade nada mais é do que uma expressão individual de suas necessidades, desejos e singularidade”.
Elas seguem suas verdadeiras paixões.

Pessoas criativas tendem a ter uma motivação intrínseca – o que significa que elas agem movidas por um desejo interno e não por uma recompensa ou reconhecimento externo.

Psicólogos mostram que pessoas criativas são energizadas por atividades desafiadoras, o que demonstra uma motivação intrínseca e as pesquisas sugerem que simplesmente pensar em razões intrínsecas para realizar uma atividade pode ser o suficiente para aumentar a criatividade.

"Pessoas potencialmente criativas escolhem e podem se envolver de forma apaixonada em problemas desafiadores e arriscados que geram um forte sentimento a partir da habilidade de usarem seus talentos”, escrevem M.A. Collins e T.M. Amabile no livro The Handbook of Creativity (O Guia da Criatividade).

Elas tentam pensar de forma diferente.

Kaufman argumenta que outro propósito do ‘sonhar acordado’ é nos ajudar a ver além da nossa própria perspectiva limitada e explorar outras formas de pensar, que pode ser uma importante ferramenta para o trabalho criativo.
"O ‘sonhar acordado’ acabou evoluindo e nos permite abrir mão do presente”, diz Kaufman. "A mesma rede cerebral associada ao sonhar acordado é a rede associada também com a teoria da mente – gosto de chamá-la de ‘rede cerebral da imaginação’ – que lhe permite imaginar como você será no futuro e também imaginar o que outra pessoa está pensando”.
As pesquisas sugerem também que induzir o ‘distanciamento psicológico’ – isso é, assumir o ponto de vista de outra pessoa ou pensar sobre uma questão como se ela não fosse real ou conhecida – pode estimular o pensamento criativo.
Elas perdem noção do tempo.

Pessoas criativas podem vir a descobrir que quando elas estão escrevendo, dançando, pintando ou expressando-se de outra maneira, que elas entram em um estado mental ‘otimizado’ ou no que é conhecido como ‘estado de fluxo’, que pode ajudá-los a criar em um nível mais alto. Esse fluxo é um estado mental em que uma pessoa transcende pensamentos conscientes a fim de alcançar um estado mais aguçado de concentração e calma, sem fazer maiores esforços. Quando alguém está nesse estado, fica praticamente imune a qualquer pressão interna ou externa ou a distrações que possam prejudicar o seu desempenho.
Você pode entrar no estado de fluxo quando você está desempenhando uma atividade que você gosta, mas que também lhe desafia – como qualquer bom projeto criativo faz.
"As pessoas criativas descobrem as coisas que amam fazer, mas também desenvolveram as habilidades que precisam naquela área para entrar no estado de fluxo”, diz Kaufman. "O estado de fluxo exige uma combinação entre as suas habilidades e a tarefa ou atividade na qual você está envolvido”.
Elas vivem rodeadas de coisas belas.

Pessoas criativas geralmente tem bom gosto, e consequentemente, gostam de estar cercadas de coisas bonitas.
Uma pesquisa recente publicada no periódico Psychology of Aesthetics, Creativity, and the Arts mostrou que músicos – incluindo músicos de orquestras, professores de música e solistas – são dotados de maior sensibilidade e respondem mais à beleza artística.

Elas ligam os pontos.

Se existe uma coisa que distingue as pessoas altamente criativas das outras, é a habilidade de enxergar possibilidades onde outros não enxergam – ou, em outras palavras, ter visão. Muitos grandes artistas e escritores já disseram que a criatividade é simplesmente a habilidade de ligar os pontos que outros nunca pensariam em ligar.

Nas palavras de Steve Jobs:
"A criatividade é simplesmente conectar as coisas. Quando você pergunta às pessoas criativas como elas fizeram alguma coisa, eles sentem-se um pouco culpadas, pois na verdade não fizeram de fato, apenas viram algo. Depois de um tempo a coisa ficou óbvia. Isso aconteceu porque eles conseguiram fazer a ligação entre as experiências que já tiveram e então sintetizaram coisas novas”.

Elas estão sempre ‘agitando’ as coisas.

Mais do que qualquer outra coisa, a diversidade das experiências é essencial para a criatividade, diz Kaufman. Pessoas criativas gostam de ‘agitar’, experimentar coisas novas e evitam qualquer coisa que torne a vida mais monótona ou corriqueira.
"As pessoas criativas têm uma maior variedade de experiências e a rotina acaba assassinando a diversidade de experiências”, diz Kaufman.

Elas separam tempo para reflexão.

Pessoas criativas entendem a importância de uma mente livre e focada – pois o seu trabalho depende disso. Muitos artistas, empreendedores, escritores e outros profissionais criativos, tais como David Lynch, recorrem à meditação como uma ferramenta para atingir o estado de criatividade máxima de suas mentes.
E a ciência comprova a ideia de que a reflexão pode de fato aumentar a potência cerebral de várias maneiras. Uma pesquisa holandesa feita em 2012 sugere que certas técnicas de meditação podem estimular o pensamento criativo. Práticas de reflexão também estão ligadas a melhorias na memória e no foco, a um maior bem-estar emocional, à redução de estresse e ansiedade e à melhora da clareza mental – todos esses fatores que podem resultar na melhora do pensamento criativo.

fonte: http://www.brasilpost.com.br/2014/03/12/caracteristicas-pessoas-criativas_n_4948909.html





MARCOLA


Leia a entrevista com o líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola , ao jornal O Globo
Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema
O GLOBO: Você é do PCC?

- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível… vocês nunca me olharam durante décadas… E antigamente era mole resolver o problema da miséria… O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias… A solução é que nunca vinha… Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas… Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo… Nós somos o início tardio de vossa consciência social… Viu? Sou culto… Leio Dante na prisão…

O GLOBO: – Mas… a solução seria…

- Solução? Não há mais solução, cara… A própria idéia de “solução” já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…). E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

O GLOBO: – Você não têm medo de morrer?

- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora…. Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba… Estamos no centro do Insolúvel, mesmo… Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala… Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói”? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha… Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O GLOBO: – O que mudou nas periferias?

- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no “microondas”… ha, ha… Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Você s, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

O GLOBO: – Mas o que devemos fazer?

- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas… O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”. Não há perspectiva de êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas… A gente já tem até foguete anti-tanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí… Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas… Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?

O GLOBO: – Mas… não haveria solução?

- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco…na boa… na moral… Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate!” Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.


quarta-feira, 12 de março de 2014




O Nascimento de Vênus

Quando eu tinha treze anos e morava em Alegrete, minha prima de dezessete, de Quaraí, foi residir conosco.

Em Quaraí não havia Curso Normal, que formava professoras primárias na época. Então minha tia, irmã do meu pai, arranjou com minha mãe para que a filha fosse para Alegrete estudar, hospedando-se em nossa casa.

Fiquei fascinado com a presença da prima, pois ela iria substituir minha irmã que havia casado e morava em outra cidade. Não foi bem isso que aconteceu. Aos poucos eu comecei a nutrir por ela sentimentos bem diferentes dos fraternos, pois era uma moça muito linda.

Eu me apaixonei pela prima, como não podia deixar de ser. O famoso amor de prima me flechou...

Só queria estar com ela, sair com ela. A moça me dedicava uma afeição de irmã e descartava polidamente o primo chato, quando queria sair com suas amigas.

O sentimento foi crescendo e eu ficava cada vez mais apaixonado em silêncio.
Naquela época em minha casa não tínhamos chuveiro elétrico e, no inverno, 
tomávamos banho em uma grande bacia de alumínio, com água aquecida no fogão.

Um dia a prima foi tomar seu banho quente e eu fui espiar pelo buraco da fechadura.
A cena que vi era o quadro de Sandro Boticcelli, “O Nascimento de Vênus”, que eu havia conhecido no “Tesouro da Juventude”.

Lá estava a prima dentro da bacia de alumínio, nua, linda, perfeita, cabelos soltos, como a Vênus do quadro.
Para mim não existia mais a bacia nem a prima e sim uma grande concha de onde Vênus emergia, ladeada de musas...

Foi minha primeira paixão e sofri muito quando ela foi estudar em Santa Maria.
Meses depois uma amiga minha, que estudava no mesmo colégio que minha prima em Santa Maria, veio passar as férias de julho em Alegrete.

Fui logo perguntando pela prima, se ela a conhecia, como ela estava, etc.
Então a amiga inflamou meu coração de treze anos dizendo que não só a conhecia, mas como ela falava muito em mim e havia me mandado um presente por outra colega.
Pronto! Saí como louco procurando a casa da tal colega para buscar o presente, a prova de amor que eu tanto esperava!

Não havia presente algum. A moça não sabia de nada.
Saí pelas ruas chorando e fui sentar num banco da Praça Getúlio Vargas, onde permaneci vertendo minhas lágrimas, me sentindo o mais infeliz dos mortais...
Nas férias de final de ano, soube que ela iria passar por Alegrete em direção a Quaraí, viajando de trem.

Corri para a estação e pude vê-la dentro de um vagão conversando com seus amigos alegretenses, que também foram matar as saudades.
Tentei chegar perto para abraçá-la, mas fui impedido por um cara mais velho, seu fã ardoroso, que me fez perceber a minha insignificante presença.

O trem partiu gemendo apitos e ela me acenou pela janela, sorrindo, sem jamais imaginar que deixava um coração partido naquela plataforma de estação.
Anos mais tarde, quando eu viajava para Porto Alegre, encontrei-a no mesmo trem com um filho nos braços, ao lado do marido.

Alguma coisa estranha bateu forte em mim, mas apenas sorri me lembrando da minha escaldante paixão de adolescente.
Conversamos rapidamente e cada um seguiu seu caminho.

Pensando bem, o saudoso Maria Fumaça e suas estações foram o pano de fundo de muitas estórias...

Renato Pozzobon