Os Boiões
Ouvindo a
rádio Sky FM Solo Piano, via Internet, vieram à baila doces memórias da minha
juventude. Dizem que, com a idade, a gente tende a lembrar mais de coisas
do passado remoto do que de eventos mais recentes. Que seja, mas é muito
gratificante recordar os verdes anos! Certas notas desse piano que ouço servem
de trilha sonora perfeita para cenas idas e vividas.
Por
exemplo, essa harmonia que agora se desenrola é a trilha perfeita para as
excursões que fazíamos aos Boiões (os "Boião", como dizíamos). Esse
lugar, que fica às margens do rio Ibirapuitan, em Alegrete, era algo mágico e
selvagem para nossos quinze anos de vida. Era como viajar ao Canadá ou talvez
ao Grande Canyon do Colorado.
O rio
Ibirapuitan se estreitava entre paredões de uns duzentos metros, criando
paisagens muito parecidas com as dos filmes de cowboy que assistíamos,
avidamente, no Cine Glória. Acordávamos cedinho, cinco horas da manhã, e nos
reuníamos na casa do José Lisboa de onde seguíamos em direção à aventura. Dona
Zulmira, mãe do José, levantava cedinho para preparar lanches para seus
entrépidos filhos exploradores. Eu ia tocando minha gaitinha de boca, feliz da
vida, pisando no sereno da madrugada, sonhando com as Rocky Mountains. Me
lembro que os companheiros sempre pediam para eu tocar um trechinho de "Um
americano em Paris", Poema Sinfônico de George Gershwin. Até hoje sei
tocar essa passagem na gaita de boca...
Naquela
época tivemos uma iniciação muito boa em música erudita, graças ao pai do José,
o Dr Euclides Lisboa. Ele tinha uma "eletrola" super moderna, que
tocava em "Hi-Fi" (High Fidelity) seus inúmeros discos de vinil com
as preciosas óperas e sinfonias mais conhecidas. Nós só queríamos saber de rock
and roll, Elvis Presley, Bill Haley and His Comets, etc. Então o doutor fez um
trato conosco. Ele liberaria a eletrola para nós ouvirmos nosso som profano se
aceitássemos ouvir, antes, uma hora de música erudita.
Claro que
concordamos e hoje eu agradeço a essas benditas horas de educação dos nossos
selvagens ouvidos de adolescentes. Ali eu tomei conhecimento das grandes
óperas, das grandes orquestras, enfim, do mundo erudito que antes me parecia
uma grande chateação. O ouvido foi amansando, como diz o gaucho... O doutor
tinha um livro em francês que descrevia todas as óperas famosas, com fotos de
espetáculos nos grandes teatros do mundo. Lá eu fiquei sabendo da existência do
Scala de Milão, do Metropolitan Opera House de New York, do Teatro da Ópera de
Viena, etc. Graças a isso, em 2010, quando estive em Viena, fui assistir Madame
Butterfly nesse teatro. Através desse livro e tambem com as explicações do
nosso educador musical, nomes como Turandot, La Traviata, Tosca, Carmen e
tantos outros, passaram a fazer parte do meu universo de adolescente.
Voltando
aos Boiões, lá passávamos o dia tomando banho no rio, pescando, escalando os
paredões para vislumbrar melhor a paisagem. Certa vez, algumas meninas
conhecidas nossas, foram passar o dia no lugar. Foi quando o Lauro, vulgo
"Aranha", que adorava Perez Prado, resolveu espioná-las, quando
trocavam de roupa no mato. O "voyeur" foi descoberto e houve uma
indignação total das meninas, que viraram ferozes amazonas, prontas a enfrentar
nosso grupo masculino. Gentlemen que éramos, batemos em retirada... Dizem que o
"Aranha" ficou mal visto para sempre no meio estudantil feminino. Eu
acho que elas até gostaram da audácia juvenil do nosso querido Tequila... Ele
adorava a música Tequila, tanto que ela virou sinal de identificação da nossa
turma. Nas madrugadas mágicas do Alegrete, quando se ouvia alguem assoviando as
notas iniciais dessa composição de Perez Prado, reconhecíamos um parceiro. Pura
poesia e não nos dávamos conta disso...
Pensando
bem, nossa linda juventude, página de um livro bom, foi um Poema Sinfônico que
fomos compondo sem perceber e que esquecemos de marcar a data da estreia.
Postado por Renato Pozzobon
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