sábado, 8 de fevereiro de 2014



Os Boiões

Ouvindo a rádio Sky FM Solo Piano, via Internet, vieram à baila doces memórias da minha juventude. Dizem que, com a idade, a gente tende a lembrar mais de coisas do passado remoto do que de eventos mais recentes. Que seja, mas é muito gratificante recordar os verdes anos! Certas notas desse piano que ouço servem de trilha sonora perfeita para cenas idas e vividas.

Por exemplo, essa harmonia que agora se desenrola é a trilha perfeita para as excursões que fazíamos aos Boiões (os "Boião", como dizíamos). Esse lugar, que fica às margens do rio Ibirapuitan, em Alegrete, era algo mágico e selvagem para nossos quinze anos de vida. Era como viajar ao Canadá ou talvez ao Grande Canyon do Colorado.

O rio Ibirapuitan se estreitava entre paredões de uns duzentos metros, criando paisagens muito parecidas com as dos filmes de cowboy que assistíamos, avidamente, no Cine Glória. Acordávamos cedinho, cinco horas da manhã, e nos reuníamos na casa do José Lisboa de onde seguíamos em direção à aventura. Dona Zulmira, mãe do José, levantava cedinho para preparar lanches para seus entrépidos filhos exploradores. Eu ia tocando minha gaitinha de boca, feliz da vida, pisando no sereno da madrugada, sonhando com as Rocky Mountains. Me lembro que os companheiros sempre pediam para eu tocar um trechinho de "Um americano em Paris", Poema Sinfônico de George Gershwin. Até hoje sei tocar essa passagem na gaita de boca...


Naquela época tivemos uma iniciação muito boa em música erudita, graças ao pai do José, o Dr Euclides Lisboa. Ele tinha uma "eletrola" super moderna, que tocava em "Hi-Fi" (High Fidelity) seus inúmeros discos de vinil com as preciosas óperas e sinfonias mais conhecidas. Nós só queríamos saber de rock and roll, Elvis Presley, Bill Haley and His Comets, etc. Então o doutor fez um trato conosco. Ele liberaria a eletrola para nós ouvirmos nosso som profano se aceitássemos ouvir, antes, uma hora de música erudita.

Claro que concordamos e hoje eu agradeço a essas benditas horas de educação dos nossos selvagens ouvidos de adolescentes. Ali eu tomei conhecimento das grandes óperas, das grandes orquestras, enfim, do mundo erudito que antes me parecia uma grande chateação. O ouvido foi amansando, como diz o gaucho... O doutor tinha um livro em francês que descrevia todas as óperas famosas, com fotos de espetáculos nos grandes teatros do mundo. Lá eu fiquei sabendo da existência do Scala de Milão, do Metropolitan Opera House de New York, do Teatro da Ópera de Viena, etc. Graças a isso, em 2010, quando estive em Viena, fui assistir Madame Butterfly nesse teatro. Através desse livro e tambem com as explicações do nosso educador musical, nomes como Turandot, La Traviata, Tosca, Carmen e tantos outros, passaram a fazer parte do meu universo de adolescente.


Voltando aos Boiões, lá passávamos o dia tomando banho no rio, pescando, escalando os paredões para vislumbrar melhor a paisagem. Certa vez, algumas meninas conhecidas nossas, foram passar o dia no lugar. Foi quando o Lauro, vulgo "Aranha", que adorava Perez Prado, resolveu espioná-las, quando trocavam de roupa no mato. O "voyeur" foi descoberto e houve uma indignação total das meninas, que viraram ferozes amazonas, prontas a enfrentar nosso grupo masculino. Gentlemen que éramos, batemos em retirada... Dizem que o "Aranha" ficou mal visto para sempre no meio estudantil feminino. Eu acho que elas até gostaram da audácia juvenil do nosso querido Tequila... Ele adorava a música Tequila, tanto que ela virou sinal de identificação da nossa turma. Nas madrugadas mágicas do Alegrete, quando se ouvia alguem assoviando as notas iniciais dessa composição de Perez Prado, reconhecíamos um parceiro. Pura poesia e não nos dávamos conta disso...


Pensando bem, nossa linda juventude, página de um livro bom, foi um Poema Sinfônico que fomos compondo sem perceber e que esquecemos de marcar a data da estreia.




Postado por Renato Pozzobon

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