FRANCISCA
HELENA
Era sexta feira. Estava em reunião dançante da Faculdade de
Odontologia. Após reforçar minha coragem com algumas cuba libres, fui tirar
para dançar uma moça que era a cara da Jeanne Moreau.
Jeanne Moreau tinha aparência seriíssima. Olhava-me como
carregasse todas as tragédias do mundo às costas. Com esse semblante, não me animei
a lhe dirigir uma única palavra. Ela, que me olhava fixamente, também não abriu
a boca.
Ao fim da dança, ela disse a primeira frase: - Com licença...
Foi
sentar, me deixando plantado na pista.
Dei a volta por cima e fui tirar para dançar uma loira alta,
muito bonita. Começamos a conversar imediatamente. Senti como se fossemos
velhos conhecidos. Na verdade, ela falava bastante e eu a ouvia. Disse-me seu
nome: Francisca Helena. Era um nome pitoresco.
Francisca Helena disse-me que estava com uma amiga. Não estudava
o que era exceção entre as pessoas presentes. Trabalhava em loja de rolamentos,
na Avenida Farrapos. Notei que ela
atropelava a língua pátria com muita frequência.
A noite correu rápida e alegre. Dançávamos, sentávamos e
conversávamos. Quando elas disseram que iam para casa, me ofereci para levá-las.
Francisca Helena deu como endereço uma rua tranquila no
bairro Montserrat. Deixei as duas em um prédio de apartamentos classe média,
com quatro pavimentos.
No dia seguinte, me dei conta de minha conquista. Francisca
Helena era um mulherão. Loira de olhos muito azuis, corpo perfeito, longas
pernas, esguias, lembrava uma modelo de perfume francês. Tinha a questão da
gramática, mas deixa para lá.
Ela não tinha me dado número de telefone (celular não havia).
Não sabia seu sobrenome nem do número do seu apartamento. Era sábado e resolvi
fazer uma loucura. Fui até o edifício de Francisca Helena. A porta da frente
estava aberta e comecei a bater de porta em porta, a partir do quarto
pavimento, perguntando por uma loira Francisca.
No penúltimo apartamento do segundo subsolo, fui atendido
por Francisca Helena. Mandou-me entrar, apresentou-me à família, uns alemães,
todos muito grandes e simpáticos. Quando contei como a encontrei, senti
que a tinha ganhado. Francisca Helena passou a me tratar como cavaleiro que havia
chegado montado em um corcel branco.
Começamos a namorar. O porte de Francisca Helena me deixava
envaidecido. As pessoas viravam-se quando passávamos. Para esconder sua pouca
cultura, quando estávamos em turma de amigos, discretamente a interrompia, ao dar algum palpite.
Naquela época, início dos anos sessenta, as moças não davam
para os namorados como dão hoje. Isso deflagrava um jogo de sedução
irresistível. Cada avanço no corpo da namorada era considerado como vitória, a
ser comemorada com os amigos com muito chope. Francisca Helena, apesar de
deixar beijá-la logo no início, revelou-se fortaleza inexpugnável.
Não é que Francisca Helena não gostasse de sexo. Ela gostava
muito. Seus gemidos traiam-na. Mas tinha sido criada numa moral alemã muito
rígida. Teria de casar virgem.
Esqueci de contar. Francisca Helena tinha 27 anos. Eu tinha
22. Ela era cinco anos mais velha. Utilizava esse argumento para convencê-la
que, aos 27 anos, ela já era quase titia e, se não mudasse de opinião, poderia
ficar assim para sempre.
Era tudo sacanagem minha. Na verdade, não aguentava mais de
tanta tesão por Francisca Helena. A diferença cultural me fazia crer que nossa relação não iria longe, o que mais me espicaçava o desejo.
Uma ocasião, depois de umas cervejas e um presentinho bem
escolhido, consegui que ela me deixasse tocar em seu peito. Muito emocionado,
perguntei se havia gostado. Disse ter se sentido como uma fruta apalpada na
feira.
Não desisti, entretanto. Uma noite, houve conjunção
favorável dos astros. Minha mãe viajou e nosso apartamento ficou só para mim.
Convidei Francisca Helena para irmos até em casa, jurando
solenemente que a respeitaria. Ela disse que não achava uma boa ideia e eu
insistindo e insistindo. Nesse momento, ela disse algo que, definitivamente,
encerrou nossa noite de sexo: “-Não vou. Cachorro que come ovelha, só matando”.
Que texto gostoso de ler!
ResponderExcluirParabéns!
Obrigado, Erion
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