sábado, 24 de março de 2012




KEITH RICHARDS

Li “Vida”, autobiografia de Keith Richards. Aconselho sua leitura para pessoas inconformadas com a vida que vivemos, isto é, todas! Ele é um arraso!

Confesso que sempre virei um pouco o nariz para os Rolling Stones. Achava o som deles meio sujo, tipo cada um toca para si e Mick Jaeger se rebola para sua vaidade. Reconhecia que algumas músicas deles, como Sactisfation e Brown Sugar são excelentes. Mas era só. Para mim, supra-sumo eram os Beatles, com seu som afinadinho, estudado e muito inventivo.

Meu primeiro engano. O som “sujo” dos Rolling Stone é e sempre foi uma jogada de marketing. Imaginem uns rapazes britânicos que querem lançar-se no mercado musical logo depois do estrondoso sucesso dos Beatles. Vão fazer um som arrumadinho, igual ao deles? Vão sempre ser covers dos Beatles. Serão sempre os segundos. Isso era tudo que Mick e Keith não queriam ser.

Meu segundo (e último) engano. Sempre achei que Keith Richards fosse um porra louca. Ele é um PORRA LOUCA GENIAL. O cara é sensível, humilde, reflexivo de seus atos. Keith é um filósofo.

Vamos aos fatos: Em 1973, revista New Musical Express colocou Keith Richards, principal guitarrista e alma musical dos Rolling Stones no topo de sua lista anual de “estrelas do rock com maior probabilidade de morrer” naquele ano. Mesmo para um roqueiro, Richards consumia quantidades hercúleas de heroína, cocaína, mescalina, LSD, peiote, Mandrax, Tuinal, maconha, Bourbon e demais refrescos. Todos os colaboradores achavam que ele estava com os dias contados. Àquela altura, a lista de baixas no rock era longa e agourenta: Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin eram apenas os nomes mais  célebres a encabeçar o obituário. Em 1969, havia morrido Brian Jones, que foi achado morto na piscina de sua casa, poucas semanas após ser demitido dos Stones. Em vez de preservar sua mortalidade, Richards preferia exibi-la de forma acintosa. Registrou para a posteridade seu quase constante torpor, dando livre acesso a Robert Frank, Annie Leibovitz e outros fotógrafos, que o captaram nos camarins e quartos de hotel, seminu e completamente doidão. Ao ver aquelas imagens de Richards, largado, chapado e leso, imaginava-se que era uma questão de dias para que a imprensa anunciasse que ele havia morrido sufocado em seu próprio vômito.

Na realidade, Richards foi em frente, tropeçando pelos concertos em uma névoa narcótica, dormindo durante os ensaios, sempre à beira do olvido e, mesmo assim, produzindo, junto com Jaeger parte da música pop mais memorável da época. Entre 1968 e 1972, os Stones gravaram Beggars Banquete, Let It Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main Street, a essência do repertório deles. Continuaram a tocar essas músicas por tanto tempo quanto Sinatra cantou Love and Marriage. A peculiaridade dos Stones se devia menos aos vocais de Jaeger do que a capacidade de Richards de absorver o estilo blues das guitarras de Chuck Berry e Jimmy Red, criando algo novo. Havia músicos muito mais técnicos, solistas muito melhores, mas a noção de ritmo e de riff dele, seu bom gosto, seus acordes sustentados e espaços abertos marcaram o som dos Stones. E, ao longo disso, a Indesejada  não conseguiu entrar no camarim. Depois de deixar Richards no topo da lista de seu observatório da morte por 10 anos, o New Musical Express finalmente jogou a toalha e admitiu que ele fosse imortal (Revista Piauí, janeiro 2011).

Keith Richards foi um garoto pobre, criado nos subúrbios de Londres, logo após a Segunda Guerra Mundial (ele nasceu em 18 de dezembro de 1943, em plena guerra). Seu avô materno era músico e influenciou muito sua formação. Ao conseguir vaga em um conservatório, aproveitou ao máximo tudo que aprendeu de música, assim como de artes plásticas.

Nessa época, conheceu Mick Jaeger. Os dois eram apaixonados por Blues e Rhythm and Blues. Ao contrário de John Lennon, ele não era interessado por rock’n’roll. Sua paixão era por músicos negros mais antigos. Richards fazia de tudo para conseguir discos da Chess Records, gravadora de seus ídolos e, pacientemente, repetia todos os acordes e riffs. Ele conta que os long plays foram sua escola.

Mais tarde, ao tentar reproduzir algumas músicas, viu que a afinação que usava não era suficiente para reproduzir todos os efeitos sonoros. Ao trabalhar com Ry Cooder descobriu a afinação que é a essência do blues. É um acorde aberto, com as cordas soltas em ré, sol, ré, sol, si, ré. Ou seja, as cordas soltas soam como o acorde em sol maior. Esse acorde facilita o uso de cordas dobradas, a alma dos riffs (que Chuck Berry desenvolveu com maestria). Mais tarde, eliminou a sexta corda, que era  só uma  repetição e depois encomendava guitarras com apenas 5 cordas. Essa afinação também foi usada por Robert Johnson, figura mítica do  blues, Son House e Charley Patton. Don Everly também a usou em By, By Love. Usando uma  Fender Telecaster assim afinada, fez os riffs de Tumbling Dice, Brown Sugar, Honky Tonk Women, All Down the Line, Can’t You Hear Me Knocking, entre outros.

Keith Richards explica: Se você está tocando o acorde de maneira certa, consegue  ouvir outro acorde soando por trás do qual você está tocando, mas  que não existe. Isso desafia a  lógica. O acorde está dizendo: vem! A guitarra torna-se uma enguia elétrica.

Keith Richards não é apenas merecedor de estar em todas as listas dos melhores guitarristas de todos os tempos. Ele é um guerreiro, sempre acreditou em seu talento, desenvolveu novas técnicas em vários instrumentos (também toca piano e baixo), é um excelente compositor. Drogou-se bastante, é verdade, mas sempre com drogas puras, como frisa, foi e é um bom vivant. Segundo ele, sempre comeu as melhores putas e bebeu as melhores bebidas. Agora é um pacato pai de família. Como Mick Jaeger, com o tempo, seu comportamento selvagem no palco virou uma “persona”, uma projeção do que já foi.
Longa vida para Keith Richards!

2 comentários:

  1. Seja bem vindo a blogosfera, Lisboa. Pela amostra, vais ser mais um canal de propagação da cultura, literatura e música no mundo virtual. Precisamos de mais soldados para combater a mediocridade que assola as redes sociais. Longa vida para o blog do Zeca.
    Fraterno abraço, Paulo Bettanin.

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