terça-feira, 19 de junho de 2012


blogue do zeca



O David Coimbra, quando não está tratando de futebol, escreve deliciosamente. Vejam a seguir:



A vizinha

– O que você acha da filha do vizinho?
Orlando estremeceu quando sua mulher enganchou o ponto de interrogação no fim dessa frase. Estavam na cama, debaixo do edredom, como BBBs, só que ele lia a coluna do Wianey e ela fazia alguma coisa com as próprias unhas. Que tipo de pergunta era aquela? A filha do vizinho era uma morena  magra porém sinuosa, de uns 18 aninhos, cheirosa, macia, insinuante, Orlando sentia vontade de chorar quando ela entrava no elevador a cada manhã.
Calculava os horários dela e planejava para se encontrarem “casualmente”. Bastava a visão daquela coisinha fresca para que o dia dele ficasse mais colorido. Cultivava doces fantasias com ela, loucuras que invadiam seus sonhos e que eram só dele. Mas jamais conseguira conversar com  ela nada além de bom dia. Gostaria de abordá-la, sorrir e ciciar “que tal dividir um tinto comigo, numa dessas noites frias?” Gostaria, mas não ousava. Tinha medo do ridículo, sendo ele tão mais velho, sendo ela tão linda.
De qualquer forma, era bom admirá-la em silêncio. E agora a mulher vinha com aquela pergunta. Será que desconfiava de algo? As mulheres têm mesmo sexto sentido... O que responder?
Se elogiasse a menina, a mulher teria confirmadas as suspeitas; se dissesse que era feia, a mulher  saberia que era mentira. Que situação. Orlando não conseguia mais se concentrar no jornal. 
Girou a cabeça.
Fitou a mulher.
Ela estava com os olhos em fogo. Problemas!
Orlando abriu a boca, mas a mulher vociferou:
– É uma vagabunda!
– Hein?
– Vagabunda! Dá bola pra todo mundo! Dá bola pra ti também! Pensa que não vejo? Te afasta dessa vadia, Orlando! Te afasta!
Orlando afundou no edredom, sem articular resposta. Mal dormiu. Na manhã seguinte, entrou no elevador e lá veio ela, de botas até os joelhos e manta enrolada no pescoço, uma sílfide invernal. O coração de Orlando começou a ribombar.
– Friozão, né? – disse ele.
Ela sorriu e miou:
– Demais...
Então, Orlando encheu os pulmões de ar e ciciou:
– Que tal dividir um tinto comigo, numa dessas noites frias?
Ela olhou bem fundo nos olhos dele. Abriu mais o sorriso. E disse, baixinho, mas firme:
– Parece uma boa ideia.
Quando a porta do elevador se abriu para a nova vida de Orlando, ele pensou que as mulheres, realmente, têm mesmo sexto sentido.

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