quarta-feira, 9 de maio de 2012



FODA-SE


por Millôr Fernandes



O nível de stress de uma pessoa

é inversamente proporcional

a quantidade de foda-se que ela fala.

Existe algo mais libertário

do que o conceito do foda-se

O foda-se! aumenta minha auto-estima,

me torna uma pessoa melhor.

Reorganiza as coisas. Me liberta.

- Não quer sair comigo ?
Então foda-se!

- Vai querer decidir essa merda

sozinho (a) mesmo?

Então foda-se!

O direito ao foda-se

deveria estar assegurado

na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso.

São recursos extremamente válidos e criativos

para prover nosso vocabulário

de expressões que traduzem

com a maior fidelidade nossos mais fortes e

genuínos sentimentos.

É o povo fazendo sua língua.

Como o Latim Vulgar,

será esse Português Vulgar

que vingará plenamente um dia.

Prá caralho, por exemplo.

Qual expressão traduz melhor a idéia

de muita quantidade do que

Prá caralho?

Prá caralho tende ao infinito,

é quase uma expressão matemática.

A Via-Láctea tem estrelas

prá caralho,

o Sol é quente prá caralho,

o universo é antigo prá caralho,

eu gosto de cerveja prá caralho,
entende?!

No gênero do Prá caralho, mas,

no caso, expressando a mais

absoluta negação, está o famoso

Nem fodendo!

O Não, não e não! e tampouco

o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade

Não, absolutamente não! o substituem.

O Nem fodendo é irretorquível,

e liquida o assunto.

Te libera, com a consciência tranqüila,

para outras atividades de maior interesse

em sua vida.

Aquele filho pentelho de 17 anos

te atormenta pedindo o carro

pra ir surfar no litoral?

Não perca tempo nem paciência.

Solte logo um definitivo:
Marquinhos, presta atenção, filho querido,
Nem fodendo!

O impertinente se manca na hora!

Por sua vez, o porra nenhuma!

atendeu tão plenamente as situações

onde nosso ego exigia não só a definição

de uma negação, mas também o justo

escárnio contra descarados blefes,

que hoje é totalmente impossível imaginar

que possamos viver sem ele em nosso

cotidiano profissional:

ele redigiu aquele relatório sozinho

porra nenhuma!.

O porra nenhuma, como vocês

podem ver, nos provê sensações

de incrível bem estar interior.

É como se estivéssemos fazendo

a tardia e justa denúncia pública

de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos

aspone, chepone, repone e mais recentemente,

o prepone:

- presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos.

Pense na sonoridade de um

Puta-que-pariu!, ou seu correlato

Puta-que-o-pariu!,

falado assim, cadenciadamente,

sílaba por sílaba...

Diante de uma notícia irritante qualquer
puta-que-o-pariu!
Dito assim te coloca outra vez em seu eixo.
Seus neurônios têm o devido tempo e clima
para se reorganizar e sacar a atitude
que lhe permitirá dar um merecido troco
ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso

vai tomar no cu!?

E sua maravilhosa e reforçadora derivação vai

tomar no olho do seu cu!.

Você já imaginou o bem

que alguém faz a si próprio

e aos seus quando, passado o

limite do suportável, se dirige ao

canalha de seu interlocutor e solta:

Chega! Vai tomar no olho do seu cu!

Pronto, você retomou as rédeas de

sua vida, sua auto-estima.

Desabotoa a camisa e sai a rua,

vento batendo na face, olhar firme,

cabeça erguida, um delicioso sorriso de

vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto

não registrar aqui a expressão de maior

poder de definição do Português Vulgar:

Fodeu!.

E sua derivação mais avassaladora ainda:

Fodeu de vez!.

Você conhece definição mais exata,

pungente e arrasadora para uma situação

que atingiu o grau máximo imaginável

de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida

insere seu autor em todo um providencial

contexto interior de alerta e autodefesa.

Algo assim como quando você está dirigindo

bêbado, sem documentos do carro e sem

carteira de habilitação e ouve uma sirene de

polícia atrás de você mandando você parar:

O que você fala?

Fodeu de vez!.



Liberdade, igualdade, fraternidade e

foda-se!!!



obrigado, Roberto



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