Georges de La Tour : La Diseuse de bonne aventure (detalhe).
A NOVA
LINGUAGEM ORAL (E O FIM DA LINGUAGEM ESCRITA, TAL COMO A CONHECEMOS).
Um
especialista em recursos humanos disse que a maior dificuldade, hoje em dia, é
conseguir que um jovem redija corretamente um currículo ou que consiga
expressar-se com precisão quando comunica-se com colegas ou superiores.
Estamos desaprendendo a escrever? (Re)
Ingressamos em uma era de comunicação oral?
A entrevista do professor Thomas
Pettitt, a seguir, revela o novo desafio da cultura e mesmo das relações
sociais que se avizinham:
NOVA
YORK - Thomas Pettitt tem provocado discussão nos meios acadêmicos ao afirmar
que a Humanidade está voltando à cultura de transmissão oral de informação e
conhecimento, tornando a época da imprensa escrita e dos livros apenas um
parêntese na História. Professor de história da cultura na Universidade do Sul
da Dinamarca, ele construiu a Teoria do Parêntese de Gutenberg para analisar
uma época que teria começado com a invenção da prensa, no século XV, e
terminado com a era da mídia eletrônica. "Estamos caminhando para um
futuro pós-imprensa", disse ele, para mais adiante acrescentar: "Alguém
pode receber uma mensagem escrita quase tão rapidamente como se estivesse
falando com a pessoa. É como se estivéssemos falando pelos dedos".
Pettitt,
que deu entrevista ao GLOBO por e-mail, criou sua teoria no espírito de
cooperação que marca as redes sociais. Usou um conceito surgido em uma
discussão entre professores e, com a permissão do autor, o colega Lars Ole
Sauerberg, cunhou a Teoria do Parêntese de Gutenberg, pai da imprensa. Segundo
ele, a era digital derruba barreiras entre imprensa tradicional e novas mídias.
A sobrevivência dos meios de comunicação, garante, estará cada vez mais
vinculada à sua credibilidade.
O
GLOBO: Estamos mesmo indo "de volta para o futuro", ou seja, passando
por uma revolução que nos levará de volta a um passado no qual a cultura era
oral, como diz a Teoria do Parêntese de Gutenberg?
THOMAS PETTITT: "De volta para o futuro" é um filme adorável, mas sempre penso sobre esse título. Imagino que, tendo viajado a um passado quando seus pais eram jovens, no fim do filme era hora de o rapaz voltar ao futuro de onde ele tinha vindo. No Parêntese de Gutenberg, a ideia é a oposta: estamos voltando ao passado ao nos movermos para o futuro. Afirmar que o futuro será uma volta ao passado não parece muito otimista. Haverá mais guerras, mais superstição e fundamentalismo, mais caças às bruxas e pragas, como na Idade Média? Fico feliz em poder dizer que a Teoria do Parêntese de Gutenberg não tem nada a ver com isso, embora meu colega L.O. Sauerberg não estivesse otimista quando inventou o termo. Ele é professor de literatura inglesa, e literatura é algo que se lê basicamente em livros. Então, se os livros estão acabando, isso pode ser o fim da literatura também. Não estou tão preocupado, porque estudo cultura medieval e sei que havia canções, histórias e encenações maravilhosas antes dos livros, então podemos esperar que as pessoas continuarão a fazer coisas incríveis com as palavras depois dos livros.
THOMAS PETTITT: "De volta para o futuro" é um filme adorável, mas sempre penso sobre esse título. Imagino que, tendo viajado a um passado quando seus pais eram jovens, no fim do filme era hora de o rapaz voltar ao futuro de onde ele tinha vindo. No Parêntese de Gutenberg, a ideia é a oposta: estamos voltando ao passado ao nos movermos para o futuro. Afirmar que o futuro será uma volta ao passado não parece muito otimista. Haverá mais guerras, mais superstição e fundamentalismo, mais caças às bruxas e pragas, como na Idade Média? Fico feliz em poder dizer que a Teoria do Parêntese de Gutenberg não tem nada a ver com isso, embora meu colega L.O. Sauerberg não estivesse otimista quando inventou o termo. Ele é professor de literatura inglesa, e literatura é algo que se lê basicamente em livros. Então, se os livros estão acabando, isso pode ser o fim da literatura também. Não estou tão preocupado, porque estudo cultura medieval e sei que havia canções, histórias e encenações maravilhosas antes dos livros, então podemos esperar que as pessoas continuarão a fazer coisas incríveis com as palavras depois dos livros.
E
como isso afeta os meios de comunicação?
PETTITT:
O Parêntese de Gutenberg diz respeito a mudanças na
maneira como comunicamos informação e histórias, de um lugar a outro e de um
momento a outro. Pela lembrança e pela fala; por manuscritos; por livros,
filmes, gravações e pela TV; por tecnologia digital e pela internet. Depois que
a prensa foi inventada por Gutenberg, levou um tempo até que ela se espalhasse,
mas por volta de 1600 o livro impresso tinha virado o meio dominante e de maior
prestígio, e permaneceu nessa posição até recentemente, digamos, até o ano
2000. Agora, estamos usando meios tecnologicamente mais avançados que o livro,
mas de certa forma se parecem com as tradições orais que o precederam. Da mesma
forma que uma frase contém parênteses: eles interrompem a frase (mas, como
estes, a modificam) e, quando o parêntese acaba, a frase continua onde a
havíamos deixado antes da interrupção. Então, sim, estamos caminhando para um
futuro pós-imprensa que, de certa forma, se parecerá com o passado
pré-imprensa. Claro que ainda não chegamos lá: estamos na transição, na saída.
De
que maneira a cultura da internet está resgatando e continuando a cultura
pré-Gutenberg?
PETTITT:
As semelhanças estão na maneira pela qual nos
comunicamos por palavras: a maneira como lidamos com informações e narrativas
que estão em palavras. Já temos há algum tempo meios eletrônicos como a TV, o
rádio e o cinema, que voltam ao mundo da oralidade porque as palavras são
faladas, e não vistas em uma página. Foi a isso que Marshall McLuhan se referiu
quando disse que estávamos saindo da "Galáxia de Gutenberg". Nossas
novas mídias (smartphones, laptops, tablets e suas conexões de internet) estão
tomando conta dessa comunicação pelo som, e até ampliando-a. Claro que elas
também são usadas, talvez até mais, para a comunicação pela palavra escrita,
mas isso é feito de maneira diferente da usada pela imprensa. Em alguns dos
meios mais difundidos (e-mails, SMS, Twitter), alguém pode receber uma mensagem
escrita quase tão rapidamente como se estivesse falando com a pessoa. É como se
estivéssemos falando pelos dedos, então a maneira de escrever é muito mais
próxima da fala. As novas mídias também tornam mais fácil mexer em um texto.
Mesmo
nas revoluções, o ponto da virada muitas vezes só é percebido quando já passou.
Quais são esses pontos, até agora?
PETTITT: Não
tenho certeza de que as pessoas não se dão conta das revoluções enquanto elas
estão acontecendo. Mas, por outro lado, a natureza da mudança ou o ponto sem
retorno pode nos escapar. Penso em dois momentos decisivos na nossa revolução.
Um deles é o dia em que todos os livros (e jornais) forem criados em forma
digital - suspeito que em muitos países este momento já passou. O outro é o dia
em que todos os livros (e jornais) que já existiam tiverem sido escaneados e,
portanto, existirem em forma digital - estamos muito próximos disso.
Até
que ponto nossa percepção do mundo e nossa comunicação são determinadas pela
tecnologia?
PETTITT: Esta
pode acabar sendo a mudança mais importante de todas. Há coincidências
interessantes entre revoluções na mídia e na maneira de pensar das pessoas.
Alguns estudiosos veem uma conexão entre a difusão da imprensa e grandes
mudanças na cultura europeia: o Renascimento, a Reforma, a revolução
científica. Se isso for verdade, podemos esperar que nossa revolução digital
tenha um efeito radical sobre a maneira de pensar. Minha teoria é que há uma
conexão entre os livros e uma visão de mundo que separa as coisas em categorias
rígidas. A tribo que chamo de "gente do livro" parece gostar de
categorias. É apenas durante o Parêntese de Gutenberg que as pessoas insistiram
tão "categoricamente" em que alguém é macho ou fêmea, negro ou
branco, humano ou animal, ser vivo ou máquina. Na Idade Média, antes da
imprensa, as misturas eram mais toleradas, e parece que estamos voltando a essa
tolerância.
Qual
a influência definitiva da era de Gutenberg para a Humanidade?
PETTITT: Difícil
dizer. Daqui a um século, é possível que turistas visitem bibliotecas da mesma
maneira que hoje nós vamos a museus para ver espadas e armaduras. A ideia de
parênteses (já que parênteses modificam a frase que ele interrompe) sugere que
não teríamos chegado onde estamos agora sem o período da imprensa. Mas isso não
significa que ele é um estágio obrigatório de desenvolvimento. Deve haver
muitas comunidades no que costumávamos chamar de Terceiro Mundo que eram
analfabetas até pouco tempo atrás, ou que não tinham dinheiro para livros, e
que passaram diretamente para os celulares e a internet, que simplesmente
pularam o Parêntese de Gutenberg. A verdadeira questão é: a época da imprensa
nos deu algo que não teríamos tido sem ela? E a resposta mais óbvia é: a
História. Para as culturas alfabetizadas, o que aconteceu no passado está registrado
em documentos, e a imprensa assegura que muitas cópias desses documentos
sobrevivam, e há muitas cópias dos livros de História que discutem o que os
documentos registram.
O
senhor disse que, na era de Gutenberg, o impresso era visto como uma garantia da
verdade, e que isso está deixando de existir. Com que rapidez isso está
acontecendo?
PETTITT: As
pessoas preferiam pensar de acordo com categorias, incluindo categorias de
mídia. Então, a escrita é mais verdadeira do que a fala, e a imprensa, mais
verdadeira que um manuscrito. Livros com encadernação de couro e letras
douradas são tratados com mais respeito do que panfletos. É só quando você
mesmo escreve um verbete de enciclopédia que se dá conta de que a capa de couro
não prova nada.
Como
a mídia tradicional pode se diferenciar neste mundo de abundância de
informação?
PETTITT: Esta
é uma das áreas nas quais a ideia do Parêntese de Gutenberg pode nos ajudar a
prever ou a lidar com o futuro. As coisas estão mudando muito rapidamente. A
maioria dos jornais complementou sua versão impressa com um site, e já foi
previsto que dentro de 15 anos a maioria dos jornais existirá apenas na sua
forma digital. Os jornais já não podem presumir que serão mais respeitados que
outras fontes de informação devido ao seu formato. A imprensa está no caminho
de saída, e qualquer veículo com patrocinadores generosos, não importa o quão
errônea ou extrema sua mensagem, pode criar um website tão impressionante como
o do mais respeitado jornal. Então, como os jornais podem convencer as pessoas
de que sua mensagem é mais confiável e que vale mais pagar por ela? Estamos de
volta à era pré-Gutenberg, quando os medievais recebiam notícias por meio de
rumores, e as notícias de lugares remotos chegavam por estrangeiros. Como
decidir em quem acreditar?
A chave é a reputação, ou a fama. Essa era a coisa mais importante nas sociedades orais, e o mesmo pode acontecer nas sociedades digitais. Na hora de decidir sobre a veracidade das notícias, o fator chave é a reputação do mensageiro.
A chave é a reputação, ou a fama. Essa era a coisa mais importante nas sociedades orais, e o mesmo pode acontecer nas sociedades digitais. Na hora de decidir sobre a veracidade das notícias, o fator chave é a reputação do mensageiro.
Muito bom!!!
ResponderExcluir