Alguém já disse que a
literatura moderna tem duas origens, Cervantes e Stendhal. Simplificando,
rapsódia e reportagem. No jazz, pode-se falar em genealogias assim distintas
num caso, o dos saxofonistas tenores. Uma linha descende de Coleman Hawkins –
som cheio, muito vibrato, lirismo explícito – e a outra descende de Lester
Young, o homem que inventou o “cool”,
Exemplos da prole Hawkins: Sonny
rollins, Zoot Sims. Exemplo da prole de Young: Stan Getz, pelo menos no tom,
pois ele também podia ser rapsódico. As duas linhas se juntaram para
desaparecer, quando todo mundo passou a tocar como John Coltrane.
Entre os pianistas de jazz existe uma
distinção parecida, a dos prolixos e a dos lacônicos. A linha dos prolixos vem
de Art Tatum, passa por Bud Powell, chega ao auge em Oscar Peterson e hoje é
representada por Keith Jarrett e similares. São pianistas de, literalmente, mão
cheia, e de teclado inteiro.
Têm tanta técnica que neles qualquer
tipo de laconismo significa um desperdício, uma orquestra sinfônica para um dó
do Piccolo. Já os lacônicos são maus pianistas, mas músicos mais intrigantes.
Horace Silver, por exemplo, transformou a falta de técnica na sua principal
virtude.
Toca o “funk” percussivo básico, mais
para o gospel e o blues do que para qualquer outra coisa, o que não impediu que
fosse um dos nomes do jazz moderno. Thelonius Monk também tocava mal, ou pouco,
o que determinou seu estilo excêntrico de compor e de interpretar.
Há uma gravação famosa de “The Man I
Love” em que Miles Davis perde a paciência com um longo intervalo silencioso em
um solo de Monk e entra no meio, como se quisesse acordar o pianista. Não é
improvável que Monk estivesse mesmo dormindo.
Os mais bem sucedidos dos lacônicos
foram John Lewis, que fez do Modern Jazz Quartet uma extensão de sua obra com a
limpidez, e cujos solos eram depurados quase ao ponto do preciosismo e, mais do
que Lewis, o legendário Count Basie, que deixava sua banda fazer todo o barulho
que ele não fazia no piano, onde se limitava a pouquíssimas notas, mas as notas
certas.
Este
texto aí de cima é de Luiz Fernando Veríssimo. Veríssimo sintetiza muito bem
duas escolas de música. Discordo, entretanto, dele, quando afirma que os
pianistas lacônicos tocavam (ou tocam) mal e desenvolveram um estilo a partir
de suas deficiências técnicas. John Lewis tinha formação erudita, executava
suas próprias partituras com técnica aprimorada. Era minimalista por convicção.
Sua obra o tornou único na história do jazz moderno (ironicamente, Milt
Jackson, o vibrafonista do Modern, era o que Veríssimo chama de prolixo).
Vejam (e escutem) o Modern Jazz
Quartet interpretando Samba de Uma Nota Só, com o brasileiro Laurindo de
Almeida.
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