sexta-feira, 27 de abril de 2012



blogue do zeca


RAPSÓDIA E REPORTAGEM
        
Alguém já disse que a literatura moderna tem duas origens, Cervantes e Stendhal. Simplificando, rapsódia e reportagem. No jazz, pode-se falar em genealogias assim distintas num caso, o dos saxofonistas tenores. Uma linha descende de Coleman Hawkins – som cheio, muito vibrato, lirismo explícito – e a outra descende de Lester Young, o homem que inventou o “cool”,

         Exemplos da prole Hawkins: Sonny rollins, Zoot Sims. Exemplo da prole de Young: Stan Getz, pelo menos no tom, pois ele também podia ser rapsódico. As duas linhas se juntaram para desaparecer, quando todo mundo passou a tocar como John Coltrane.

         Entre os pianistas de jazz existe uma distinção parecida, a dos prolixos e a dos lacônicos. A linha dos prolixos vem de Art Tatum, passa por Bud Powell, chega ao auge em Oscar Peterson e hoje é representada por Keith Jarrett e similares. São pianistas de, literalmente, mão cheia, e de teclado inteiro.

         Têm tanta técnica que neles qualquer tipo de laconismo significa um desperdício, uma orquestra sinfônica para um dó do Piccolo. Já os lacônicos são maus pianistas, mas músicos mais intrigantes. Horace Silver, por exemplo, transformou a falta de técnica na sua principal virtude.

         Toca o “funk” percussivo básico, mais para o gospel e o blues do que para qualquer outra coisa, o que não impediu que fosse um dos nomes do jazz moderno. Thelonius Monk também tocava mal, ou pouco, o que determinou seu estilo excêntrico de compor e de interpretar.
              
         Há uma gravação famosa de “The Man I Love” em que Miles Davis perde a paciência com um longo intervalo silencioso em um solo de Monk e entra no meio, como se quisesse acordar o pianista. Não é improvável que Monk estivesse mesmo dormindo.

         Os mais bem sucedidos dos lacônicos foram John Lewis, que fez do Modern Jazz Quartet uma extensão de sua obra com a limpidez, e cujos solos eram depurados quase ao ponto do preciosismo e, mais do que Lewis, o legendário Count Basie, que deixava sua banda fazer todo o barulho que ele não fazia no piano, onde se limitava a pouquíssimas notas, mas as notas certas.

         Este texto aí de cima é de Luiz Fernando Veríssimo. Veríssimo sintetiza muito bem duas escolas de música. Discordo, entretanto, dele, quando afirma que os pianistas lacônicos tocavam (ou tocam) mal e desenvolveram um estilo a partir de suas deficiências técnicas. John Lewis tinha formação erudita, executava suas próprias partituras com técnica aprimorada. Era minimalista por convicção. Sua obra o tornou único na história do jazz moderno (ironicamente, Milt Jackson, o vibrafonista do Modern, era o que Veríssimo chama de prolixo).

            Vejam (e escutem) o Modern Jazz Quartet interpretando Samba de Uma Nota Só, com o brasileiro Laurindo de Almeida.        
       



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